quarta-feira, 21 de março de 2012

Catarse nº 587

Sim, nascemos e morremos sozinhos nesse mundo, não pedimos à ninguém que nos colocassem aqui. Não imploramos por vida, simplesmente estamos aqui sozinhos e por conta própria. Mas como bons seres humanos que somos, criamos um hábito de defesa fantástico chamado " companheirismo ". Companheirismo na família, amigos, namorados, qualquer coisa que supra essa solidão, esse peso de ser e estar só. Algo que ajude a dividir a carga, motivação e segurança. É isso que nós fazemos, ou tentamos fazer. Mas por outro lado, com a consciência de que somos apenas nós mesmos, seres individuais que surgem e somem sozinhos, esquecemos por diversas vezes que um outro ser sozinho precise de apoio, precise saber que existe alguém pra dividir o que pesa... maldição.
Se não pedimos pra estar nesse mundo onde pessoas só pensam em si mesmas, pedimos então que elas incluam em nossas vidas sentimentos, dores, pensamentos e inseguranças? Já não bastaria todas as coisas que a vida por si só se encarrega de trazer? Não. Presenteamos uns aos outros com erros, fracassos, mágoas, dores que depois simplesmente nos falam " Essa dor é sua, lide com ela. Conviva com ela, eu não tenho a ver com o seus sentimentos. " Mas eu não pedi nada... não pedi que seus erros fossem cometidos, nem que isso passasse a ser um problema meu. Acredito que não falo por uma minoria, acredito que muitas pessoas hoje se sintam mal por erros cometidos por outras mas estão tendo que superar sozinhas, afinal, nós estamos sozinhos. Não podemos esquecer isso nunca.
Penso então em uma outra definição imposta, assim como todas as outras definições impostas e como eu escutei recentemente," uma tradução em outro plano de coisas que um dia foram inventadas e transmitidas como certezas", de que relacionamentos não fazem tanto sentido assim quando não se está disposto a compartilhar também a mágoa do outro gerada por um erro alheio. Não vejo sentido em um relacionamento onde o que se passa dentro do outro é apenas um problema que bem... não é seu. Acredito então que todos os relacionamentos são unilaterais e individualistas. Uma forma de manter uma pulsão sob controle? pulsão de desejo, auto-estima e afetos? Não deveria ser assim. Um relacionamento deveria ser um acordo: " Eu me importo e amo tudo o que acontece com você, por dentro, por fora, por todos os lugares. Eu amo e cuido de tudo o que te dói mesmo que essa dor que te incomoda seja culpa minha. Eu vou zelar pelo seu bem estar, apesar de qualquer coisa. Porque eu vim sozinho, mas quero estar com alguém pra dividir tudo." TUDO.
Somos seres individuais, com visões e tantas maneiras diferentes de viver uma situação, mas também inventamos outra coisa chamada " empatia", pra tentar ao mínimo entender de que maneira a outra pessoa se afeta com as nossas atitudes, com as nossas decisões, não é fácil... sentimentos são tão subjetivos que em determinada hora as palavras se tornam inúteis pra explicar o estrago feito, o que se espera e o que exatamente é visto. Não tem como pegar na mão e mostrar " Ta vendo? é aqui ó... é aqui que incomoda muito. " Isso só é possível quando o outro troca de lugar com você... mas quem em sã consciência quer sentir o mal estar alheio? Quem quer perder tempo com isso? Quem em juízo gostaria que cometessem com você o erro que você cometeu com outra pessoa? Ninguém... nem em imaginação. E aí, pra mim, é onde mora um dos maiores erros dessa maldita humanidade... ninguém se dá ao trabalho de se colocar no lugar do outro ou se colocam tão superficialmente que respondem " Eu agiria diferente ". Claro que sim. Todos teriam maneiras muito melhores pra resolver problemas. Só que o problema vem de dentro e ninguém alcança. Não se pode tocar e transferir: " Toma, resolve você então, porque eu não sei mais o que fazer. "
Algumas pessoas ainda conseguem pedir ajuda, pedir um pouco de companheiros pra limpar a sujeira deixada, mas geralmente é nessa hora que você volta a estaca zero: Sozinho. E dá uma vontade de pegar pelo braço, olhar nos olhos e dizer " Não, obrigada, mas isso também não é problema meu". Mas aí as pessoas seriam seres extremamente solitários, amargurados...
E não adianta exigir que ninguém esteja com você, porque depois dos erros cometidos, a pessoa não enxerga mais nada, não quer ter trabalho com mais nada. E fica um silêncio, um vazio, um eco sem resposta até que você desiste. Porque não se entende a razão de algumas pessoas errarem tanto e depois simplesmente não quererem lidar com isso, então não precisa-se entender como as pessoas desistem de tentar ajuda.
Mas o objetivo disso tudo, não é dizer o quanto é injusto ter que lidar com as merdas alheias, nem dizer que cada um deveria se responsabilizar pelos seus atos sem lagar na mão de uma pessoa que não pediu por nada... eu só queria dizer que depois de tudo, coisas boas acontecem! O buraco feito por outra pessoa, começa a ser preenchido por tantas outras coisas que antes não tinham espaço pra habitar. Quando você decide desistir e parar, quando você aceita que nessa selva é cada um por sim, você enxerga que ao seu redor existe muito mais do que meras pessoas estranhas. E então surge uma curiosidade tão grande de saber o que se passa por trás daquela estranheza, uma coisa gostosa em saber que o vazio dentro de você, a mágoa deixada, também existe em outras pessoas de tantas outras formas, tantas outras vidas... e essas pessoas entendem as suas frases sem sentido, entendem a sua insegurança, entendem exatamente do que você precisa e a coisa vira mágica. Um abraço, um beijo, um elogio e metade dos seus problemas dissolvidos... não é tão difícil assim, só que algumas pessoas não têm tanta disposição pra querer "curar" a ferida alheia. Elas preferem o silêncio, as palavras duras... quando o que você mais precisava era exatamente o contrário. O contrário.
O estranho se torna interessantíssimo quando atinge em cheio na sua falta, no que você precisava... então novos ciclos tendem a vir, com a certeza de que estamos sozinhos sim, mas podemos escolher tantas outras pessoas pra estarem do nosso lado, tantas que a necessidade exclusiva de uma em si deixa de fazer sentido. Dores e mágoas se encerram com o desconhecido que surge pra mostrar que existe muitas outras possibilidades, que outras pessoas existem pra te ouvir, entender e cuidar. Viver sozinho é triste, mas viver acompanhado se sentindo sozinho é ainda mais triste. As coisas que você fala nunca deveriam ser entendidas como bobagem, doença ou chatice... o que sai pela sua voz, com sinceridade, é tudo o que você sente e tenta transmitir com palavras. E alguém que não consegue mais traduzir palavras pra enxergar o sentimento por trás delas, pra mim, não funciona mais, perdeu a capacidade de empatia.
A solução é deixar que novos sentimentos tomem conta de você, que sejam capazes de ocupar o lugar onde dói com coisas boas, com " brisa fresca ". E eu aprendi e encerrei um processo.